Direto ao ponto: a realidade é que as escolas brasileiras são obrigadas a cumprir uma grade de conteúdos tão extensa que é praticamente impossível ter tempo para desenvolver outras habilidades, consideradas essenciais por todos os estudos sobre desenvolvimento humano e profissões do futuro. Por isso, os cursos extracurriculares se tornam opções importantíssimas para a formação das crianças e adolescentes.
Veja um exemplo:
Numa aula de história sobre as Guerras Mundiais, a professora/professor poderia propor uma atividade interdisciplinar sobre a evolução tecnológica da época comparando as táticas de batalha utilizadas no primeiro e no segundo conflito projetando naturalmente na mente dos estudantes como seria uma terceira guerra analisada por esse prisma.
Se essa investigação fosse desenvolvida como um projeto, os estudantes poderiam fazer pesquisas relacionadas aos conteúdos de matemática, ciências, geografia, língua estrangeira e por aí vai. À reboque, dentro do conteúdo de história, viriam uma discussão sobre as dinâmicas do capitalismo(EF09HI10)*, sobre a emergência dos estados totalitários e suas políticas de extermínio(EF09HI13), sobre o papel dos direitos humanos(EF09HI16) e criação de organismos de proteção internacional (EF09HI15).
Até quem não gosta de histórias e de guerras vai concordar que este seria um projeto interessante para a maioria dos estudantes. Então, por que a escola não faz isso?
Porque além dos conteúdos acima ela é obrigada a tratar da Revolução Russa (EF09HI11), da crise de 1929 (EF09HI12) e do colonialismo na África e na Ásia (EF09HI14) no mesmo bimestre, além dos exercícios e das provas.
É humanamente impossível para o professor “inventar moda” com tanto conteúdo a cumprir. Ao mesmo tempo, a escola é proibida de suprimir qualquer desses conteúdos.
Moral da história: os estudantes ficam sujeitos a uma educação baseada na transmissão de conteúdos sequenciais, capítulo-a-capítulo, e quase não têm oportunidade de fazer reflexões, debates e análises sistêmicas cruzando informações entre as disciplinas.
Todas as escolas brasileiras são obrigadas por lei a seguir a Base Nacional Comum Curricular – BNCC desde 2017. Este documento tem muitas virtudes, mas está preso a uma concepção de ensino por transmissão de conteúdo.
Por que os cursos extracurriculares são importantes?
Estudos sérios** apontam que a grande maioria das profissões do futuro ainda não foram inventadas, mas já se conhece as competências e habilidades que serão necessárias. Entre as mais valorizadas estão: senso de cidadania global; capacidade para criatividade e inovação; fluência em tecnologia e habilidades de relacionamento interpessoal, o que inclui inteligência emocional, liderança e senso de responsabilidade social.
Em que momentos da rotina escolar essas habilidades podem ser desenvolvidas? Qual percentual da carga-horária dos estudantes é destinada a isso?
Eu sou uma defensora feroz da escola. Eu já estive lá por muitos anos e coordenei cursos da Educação Infantil à Universidade. Observe que eu não digo que a escola é incapaz de oferecer uma formação integral. Ela é refém de uma grade de conteúdo que ela tem obrigação legal de cumprir.
A importância dos cursos extracurriculares é consequência do descompasso entre a necessidade de uma formação para o futuro e as amarras que obrigam a educação regular a se manter focada na transmissão de conteúdo.
Os cursos extracurriculares se tornaram a principal oportunidade para os estudantes desenvolverem suas habilidades socio-emocionais, também chamadas Soft Skills ou Habilidades Essenciais que são focadas no relacionamento humano, coisa que a tecnologia nunca será capaz de substituir. Daí seu valor para o futuro.
Na DHEL, por exemplo, todos os cursos são baseados em projetos. Primeiro lançamos um problema aberto que pode ser resolvido com uma construção ou programação. Na sequência, os estudantes partem para o desenvolvimento em grupo, num processo de tentativa e erro. Nesse processo, eles precisam elaborar hipóteses sobre como resolver, discutir a ideia com os colegas e negociar qual tentativa vai ser testada primeiro. Somente depois dos testes é que apresentamos a teoria como uma forma de “resumir” e objetivar o aprendizado. (Veja mais sobre nossa metodologia aqui.)
Nesse processo de interação, os estudantes vão desenvolvendo as habilidades socioemocionais ao mesmo tempo que exercitam sua criatividade e sua fluência na linguagem tecnológica.
O tempo e a organização do conteúdo também seguem uma lógica completamente diferente. No ensino regular, os conteúdos são apresentados de uma forma sequencial, baseados numa escala temporal ou de complexidade. Na aprendizagem por projetos os conteúdos são acessados à medida da necessidade, independentemente de uma ordem. O importante é o contexto: o que o estudante precisa aprender “agora” para resolver aquele problema específico que está diante dele?
Isso permite o aprofundamento em questões complexas, que existem uma abordagem sistêmica por parte do estudante que, imediatamente, se torna o protagonista de seus próprios estudos porque ele precisa aprender aquilo para resolver o problema que ele escolheu enfrentar.
Aproveitando a analogia com os equipamentos militares, veja uma sequência de fotos de uma aula sobre catapultas com crianças de 6 e 7 anos. É uma pena não termos o vídeo, mas dá para imaginar como os conhecimentos técnicos (hard skills) são construídos juntamente com as habilidades socioemocionais (soft skills).
E depois avalie: Por que os cursos extracurriculares são tão importantes?
Notas:
*Os dígitos entre parênteses são referências às habilidades referenciadas na BNCC para a disciplina de História no 9º ano do Ensino Fundamental.
** WEF_Schools_of_the_Future_Report_2019.pdf dispnoível em: https://www3.weforum.org/docs/WEF_Schools_of_the_Future_Report_2019.pdf